Sérgio Vaisman

 

Minha Opinião

   

Artigos

   

News

 

    Artigos

Links

   

Fale Comigo

   
       

Imprimir
Clique aqui para imprimir

Senhor dos Aneis na Otica da Psicanalise
Com a estréia do filme em Belo Horizonte, iniciou-se na fala dos adolescentes
comentários sobre “a sociedade dos anéis, a expedição de Bilbo e o encontro do ‘Um
anel’, as dificuldades e aventuras vividas por Frodo em sua viagem com o ‘Um anel’,
as mulheres maravilhosas, e os seus encontros com os homens. As identificações com
o mago Gandalf, com o Elfos Légolas e até mesmo com o repugnante Gollum”.
“O Senhor dos Anéis” é uma obra de ficção de John Ronald Reuel Tolkien. É
alternadamente cômica, singela, épica, monstruosa e diabólica. A narrativa
desenvolve-se em meio a inúmeras mudanças de cenário e de personagens num
mundo imaginário absolutamente convincente em seus detalhes.
Tolkien criou uma nova mitologia, um mundo inventado que demonstra possuir um
poder de atração atemporal.
Tanto o filme quanto a adolescência retratam uma travessia, na qual os
aventureiros se confrontam com perigos de todas as ordens. No filme são os Trolls,
Orcs, Elfos, Dragões, etc. Na adolescência são as mudanças fisiológicas
produzidas na puberdade.
O corpo em transformação prepara-se para exercer a função de reprodução, o
encontro com o outro sexo, o novo posicionamento no mundo onde os adolescentes
devem desligar-se dos modelos identificatórios da infância, assumir o seu desejo, por
sua própria conta e risco e, marcar sua entrada no mundo adulto. Em nossa cultura
essa passagem é um verdadeiro enigma.
Segundo Freud, o sofrimento humano acontece no corpo, no mundo externo e
nas relações com os outros.
Na adolescência, esse sofrimento ocorre intensamente, já que acomete as três esferas
simultaneamente. Tanto o filme quanto a adolescência são reedições do passado.
Para melhor compreensão do filme “O Senhor dos Anéis” é necessário ler “O Hobbit”,
livro precursor da tríade.
Ele retrata a saída de Bilbo (tio de Frodo) do conforto do Condado, chegando até a
montanha solitária em busca do tesouro perdido, passando por momentos de grande
perigo.
Bilbo encontra “Um anel” que, ao ser colocado no dedo, o deixa invisível.
3
O filme começa com Frodo recebendo das mãos do tio esse anel, que lhe dá o poder
de tornar-se invisível, o que o retira do campo de visão do outro fazendo o
adolescente acreditar que tem o falo.
Em 1905, nos “Três Ensaios”, Freud elabora a sexualidade infantil abrindo um
amplo leque que decide o futuro de toda sexualidade humana.
“Portanto, o que se dá na adolescência em parte já vem pré-formado nas etapas
anteriores, ou seja, na infância, na latência e na puberdade”.
Nessa situação de conflito, nada melhor do que lançar mão de um objeto que torne o
sujeito pleno, completo, perfeito e total.
A noção de falo aparece tardiamente em Freud, no texto “A Organização Genital
Infantil” (1923), na qual a “característica principal dessa organização genital infantil é
sua diferença da organização genital do adulto.
Ela consiste no fato de, para ambos os sexos, entrar em consideração apenas um
órgão genital, ou seja, o masculino. O que está presente, portanto, não é uma
primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo”.
Foi com Lacan, em “A significação do Falo”,(1958), que a noção dele adquire
um status central na teoria psicanalítica:
“O falo é um significante, um significante cuja função, na economia intrasubjetiva da
análise, levanta, quem sabe, o véu daquela que ele mantinha envolta em mistérios.
Pois ele é o significante destinado a designar, em seu conjunto, os efeitos de
significado, na medida em que o significante os condiciona por sua presença de
significante”.
Em 1972-1973 no Seminário Mais, Ainda, Lacan elabora o conceito falo em duas
vertentes: função fálica e gozo fálico.
Segundo ele a primeira, é a que inaugura a falta. Para a criança, ter o amor e
a atenção da mãe é muito “precioso”.
Ela descobre que não é tudo para a mãe, que não pode completá-la, e que sua mãe
deseja algo além dela. O falo aponta sempre para esse lugar vazio.
4
Ela, portanto, é o significante da falta, é aquilo que vetoriza o desejo da mãe e da
criança, que regula o ser ou não ser, o ter ou não ter.
O gozo fálico é aquilo que sai do corpo e vai pela via do significante,
delimitando o prazer do homem e marcando o desencontro entre os sexos.
Percebemos, portanto, que o conceito de falo implica um critério de valor. O sujeito dá
um valor fálico a determinados objetos.
Hugo Bleichmar, em Introdução ao Estudos das Perversões, cita uma metáfora,
tomada de Lacan, para ilustrar a relação de poder entre as pessoas: é a brincadeira de
passar o anel.
“O valor que toma uma das pessoas no jogo depende do lugar onde o
anelzinho esteja escondido. Este é o que determina que pessoa adquire um valor
especial.
As pessoas em si, pelo que são, não se diferenciam umas das outras em relação ao
jogo. Só pelo fato de que cai em poder de uma delas, o anelzinho adquire um status
particular”.
Tanto no filme quanto na adolescência os personagens lutam para defender o anel. “O
um anel – para a todos dominar”. Anel como representante do falo.
Em sua última jornada, Frodo chega na montanha da perdição. Reivindica o anel para
si e o coloca no dedo. Gollum rouba-lhe o anel: “precioso, precioso, precioso! gritava
Gollum. Meu precioso!
O meu precioso! E assim, no momento em que erguia os olhos para se regozijar com
sua presa, deu um passo grande demais, tropeçou, vacilou por um momento na
beirada, e então com um grito agudo caiu.
Das profundezas chegou seu último gemido, precioso, e então ele se foi”
“Bem, este é o fim, (...). E ali estava Frodo, pálido e exausto, e apesar disso era Frodo
novamente; agora em seus olhos só havia paz; nem luta de vontade, nem loucura,
nem qualquer temor. Seu fardo fora levado"
Na adolescência o sujeito oscila entre Ser ou não Ser e Ter ou não Ter o falo. Ser o
filhinho da mamãe, ter um futuro promissor, uma profissão, se dar bem na vida ou só
ter tamanho.“Ora minha mãe me trata como criança, ora como adulto.
5
Não sou criança nem adulto. Acho que não sou nada” (Relato de um
adolescente).
Essa oscilação própria do sujeito adolescente o deixa confuso na elaboração de seu
desejo.
Ao analista cabe manejar a transferência, causando a continuidade do discurso,
propiciando ao sujeito suportar melhor suas frustrações, diminuir suas identificações,
tornando o objeto menos enganador.
Em análise percebem que não têm o anel, nem o cajado poderoso de Gandalf.
Não são bonitos como Legolas nem horríveis como Gollum, são sujeitos de
desejo, portanto, seres de falta.
O filme acaba, a adolescência fica na lembrança, como uma jornada repleta de
fantasmas e monstros, e o sujeito percebe que “mancar não é pecado”.
(publicado no boletim da Associação Brasileira de Medicina Psicossomatica-Distrito Federal)
 
Home