Sérgio Vaisman

 

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Limites da saúde mental acendem debate nos EUA
Um estudante universitário se torna tão compulsivo pela limpeza de seu quarto no alojamento que suas notas começam a cair. Um executivo que vive em Nova York tem medo mortal de cobras mas mora em Manhattan e raramente sai da cidade para algum lugar onde possa encontrá-las. Um técnico de computador que se sente muito ansioso diante de desconhecidos evita situações sociais com amigos e colegas de trabalho, e acaba preterido em uma promoção.
Essas pessoas podem ser consideradas mentalmente doentes? Em relatório divulgado na semana passada, pesquisadores estimam que mais de metade dos americanos desenvolveriam distúrbios mentais durante suas vidas, o que suscita a questão sobre o limite em que a saúde mental acaba e a doença principia.
Na verdade, os psiquiatras não têm uma boa resposta. As fronteiras entre doença mental e os problemas normais de uma pessoa se tornaram uma linha de batalha dividindo a profissão em dois campos opostos visceralmente.
De um lado temos os médicos que dizem que a definição de doença mental deveria ser mais rígida, de maneira a garantir que os limitados recursos do setor sejam dedicados àqueles que mais precisam e para preservar a credibilidade da profissão junto a um público que muitas vezes desdenha as alegações de que grande número de americanos padece de distúrbios mentais.
A questão não é apenas filosófica: o ponto em que os psiquiatras traçam essa fronteira pode determinar não só a disposição das empresas de seguro de saúde em pagar por serviços, mas o futuro das pesquisas sobre distúrbios mentais amenos e moderados. Direta e indiretamente, também influenciará as decisões de milhões de pessoas que sofrem sem saber se elas, ou as pessoas que as cercam, precisam de ajuda, são só excêntricas ou enfrentam dificuldades normais em suas vidas.
"A discussão está esquentando, agora", disse Darrel Regler, diretor de pesquisa da Associação Psiquiátrica Norte-Americana, "porque estamos no processo de revisar o manual de diagnósticos", o catálogo de distúrbios mentais com base no qual a pesquisa, o tratamento e a profissão em si são orientados. A próxima edição do manual deve sair em 2010 ou 2011, "e vai haver debate continuado na comunidade científica sobre qual é o limite exato onde começa a doença, clinicamente", disse.
Os psiquiatras vêm procurando há mais de um século por um indicador biológico da doença mental, mas sem resultados palpáveis. Ainda que existam trabalhos promissores nos campos da genética e da obtenção de imagens do cérebro, não é provável que os pesquisadores tenham alguma coisa que se assemelhe a um exame de sangue, para doenças mentais, em curto prazo, o que os deixa na mesma situação em que sempre estiveram: observação de comportamento e das respostas dos pacientes a perguntas sobre como se sentem e sobre a severidade de sua condição.
A severidade do problema é o ponto central do debate. Será que mudanças de humor são ruins o bastante para justificar que alguém perca um dia o trabalho? Será que ansiedade em situações sociais pode prejudicar amizades e destroçar relacionamentos?
As seguradoras há muito incorporaram avaliações de severidade em suas decisões sobre que situações cobrir. Alex Rodriguez, diretor de medicina no setor de saúde comportamental da Magellan Health Services, a maior seguradora de saúde especializada em distúrbios mentais dos EUA, disse que a Magellan emprega diversos testes padronizados para determinar até que ponto um problema está interferindo na vida de uma pessoa. A empresa está desenvolvendo uma escala própria para determinar a eficiência com que as pessoas funcionam em suas vidas."Trata-se de uma ferramenta que permitiria que o terapeuta monitorasse o progresso do paciente de sessão a sessão", disse Rodriguez.
Ainda que a edição atual do catálogo de distúrbios mentais da Associação Psiquiátrica Norte-Americana inclua a severidade como parte do diagnóstico, alguns especialistas dizem que essas formas de medir não são firmes ou específicas o bastante.
Stuart Kirk, professor de bem-estar social na Universidade da Califórnia em Los Angeles, um crítico freqüente do manual, oferece exemplos do que poderia, sob as diretrizes atuais de diagnóstico, ser classificado como um distúrbio de abuso de substância: um estudante universitário que mais ou menos uma vez por mês beba cerveja demais nas noites de domingo e perca sua aula de química que começa às 8h de segunda-feira, reduzindo sua nota; ou um profissional liberal de meia idade que de vez em quando fuma um cigarro de maconha e vai dirigindo para um restaurante, correndo risco de prisão.
"Ainda que esses casos talvez representem mau julgamento", disse Kirk, eles "não seriam vistos pela maior parte das pessoas como exemplos válidos de doença mental, e não deveriam mesmo sê-lo, porque não representam nenhum estado mental patológico, interno ou subjacente".
Separar os pesos pesados dos leves por meio de perguntas como, por exemplo, "você já procurou um médico sobre esse problema ou conversou com alguém a respeito?" tem efeito significativo sobre quem é computado como mentalmente enfermo e quem não é.
Depois que os pesquisadores reportaram, como resultado de uma pesquisa nacional em larga escala conduzida em 1994, que 30% dos adultos americanos haviam sofrido problemas mentais nos 12 meses anteriores ao trabalho, Regier e outros psiquiatras reavaliaram os dados, determinando se as pessoas haviam consultado um terapeuta ou falado a um amigo sobre seus problemas mentais, haviam recebido tratamento ou haviam tomado outro tipo de atitude a esse respeito.
Eles concluíram que o número de pessoas que se qualificavam para um diagnóstico de doença mental caía a 20%, em termos gerais; a incidência de determinados distúrbios caía entre um terço e metade.
Mas limitar o cômputo àqueles que agiram com relação a seus problemas não oferece um retrato preciso da extensão da doença, argumentam outros pesquisadores, que criticam severamente os esforços por reduzir as estimativas prevalecentes.
Robert Spitzer, professor de psiquiatria na Universidade Columbia e principal arquiteto da terceira edição do manual de diagnóstico, escreveu, em carta à revista especializada "Archives of Psichiatry", que "muitos distúrbios físicos são freqüentemente transitórios e amenos e podem não exigir tratamento (por exemplo, infecções virais agudas ou dor nas costas). Seria absurdo reconhecer essas condições apenas quando tratamento fosse indicado".
Ele acrescentou: "Revisemos os critérios de diagnóstico para que nos ajudem a produzir diagnósticos padrão válidos clinicamente, a fim de tornar os dados sobre a incidência das doenças na comunidade mais fáceis de justificar diante do ceticismo do público".
Ronald Kessler, professor de política da saúde na Universidade Harvard e diretor científico das pesquisas de 1994 e da divulgada na semana passada, disse que tornar mais rígidos os diagnósticos de modo a excluir muitos dos casos mais amenos cegaria os profissionais a um grupo de pessoas ao qual deveriam estar prestando mais, e não menos, atenção.
"Sabemos que existem pródromos, estados que colocam as pessoas em risco mais elevado, como a hipertensão no caso de doenças cardíacas, e que esses pródromos são tratados pelos médicos", afirmou. "Podemos dar o nome que quisermos a essas condições mentais mais amenas e podemos decidir que elas merecem ou não tratamento, mas se não as identificarmos e as deixarmos escapar à observação, não saberemos muita coisa sobre elas."
Na pesquisa divulgada nesta semana, Kessler e seus colegas concluíram que metade dos distúrbios começa antes dos 14 anos, e três quartos deles antes dos 24. "Trata-se de pessoas que podem surgir aos 25 anos, ou mais tarde, como alcoólatras depressivos, talvez enfrentando problemas legais ou com relacionamentos frustrados, e na minha perspectiva temos de procurar a origem e descobrir o que está acontecendo antes que elas se desesperem tanto", afirma Kessler.
Uma condição cuja incidência estimada vem saltando como uma bola de pingue-pongue nesse debate é a fobia social, uma ansiedade extrema quanto a situações sociais. Em pesquisa conduzida em 1984, estudiosos identificaram a fobia social extrema perguntando sobre um medo excessivo de falar em público. Constataram que a incidência, em período de um ano, era de 1,7%.
Mas os psiquiatras logo concluíram que outros temores, como o medo de comer em público ou o de usar banheiros públicos, eram variações da fobia social. Quando, em 1994, essas e outras perguntas foram incluídas no questionário, a incidência subiu a 7,4%.
Regier reavaliou os dados usando critérios diferenciados de severidade e constatou incidência muito mais baixa, 3,2%. Na semana passada, Kessler reportou incidência de 6,8%, no novo estudo.
"Pode-se entender por que tantas pessoas têm dificuldade para acreditar nesses números, porque eles mudam imensamente a depender da maneira pela qual são analisados", disse David Mechanic, diretor do Instituto de Saúde, Política de Saúde e Pesquisa do Envelhecimento na Universidade Rutgers.
"Aí é que está o problema", disse Regier. "As pessoas ouvem falar dessas incidências elevadas e imediatamente começam a pensar em esquizofrenia severa. Mas sabemos que essas pesquisas incluem muitos casos amenos e precisamos perguntar qual é a importância deles."
(fonte:BENEDICT CAREY - DO "NEW YORK TIMES)
 
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